O Brasil que não quer Bolsonaro nem Lula consegue um apoio tímido nas ruas

A promessa era a de que os atos deste domingo seriam o primeiro ensaio de uma união entre progressistas e conservadores contra o presidente Jair Bolsonaro. Mas as manifestações ocorridas em ao menos 18 cidades do Brasil acabaram se tornando, na realidade, palco para o lançamento de candidatos a uma terceira via para as eleições do ano que vem. Um Bolsolula inflável, híbrido de Luiz Inácio Lula da Silva e do atual presidente, ambos em roupas de presidiários, deu o tom da marcha, repleta de discursos de políticos e com cartazes até de “Volta, Temer”, em referência ao ex-presidente que ajudou a amenizar a crise criada por Bolsonaro com o Supremo após os atos de Sete de Setembro —foi Temer, que busca voltar para a vida política, quem escreveu a carta apaziguadora assinada pelo presidente da República.

Organizados por movimentos de direita como o MBL e o Vem pra Rua ainda em julho, os protestos ganharam a adesão de parte da esquerda na última hora, quando os organizadores decidiram mudar o lema original das marchas (Nem Lula, nem Bolsonaro) para tentar atrair a participação da esquerda. Mas o PT se recusou a aderir, assim como o PSOL e diversos movimentos sociais ligados a estes partidos, que costumam conseguir grandes mobilizações nas ruas. Os atos, assim, acabaram vazios. O principal deles, na avenida Paulista, em São Paulo, teve um público estimado em 6.000 manifestantes pela Secretaria de Segurança Pública. Como comparação, o ato bolsonarista da semana passada teve 125.000 pessoas e o organizado pela esquerda no mesmo Sete de Setembro, no centro da capital paulista, teve 15.000, aponta a Folha de S.Paulo.

“Quantos mais formos, mais opções teremos de tirar Bolsonaro, mas ainda somos poucos”, dizia desapontada a médica Denise, 53 anos, em São Paulo. “Votarei na terceira via, não importa o candidato, qualquer um que não seja Lula ou Bolsonaro”, acrescentou ela. Há três anos , a médica votou no militar reformado no segundo turno. É uma entre as pessoas decepcionadas, sobretudo pela atual gestão da pandemia.

Essa foi a primeira chance para medir forças nas ruas da chamada terceira via —termo do qual tanto se fala na imprensa, entre os empresários e as elites— mas que as pesquisas retratam, ao menos até agora, mais como um desejo intenso do que como uma realidade em construção que encarne uma pessoa concreta a 13 meses das eleições. Saíram às ruas os que não querem se ver arrastados pela polarização, os que ficaram politicamente órfãos por Bolsonaro abandonar a agenda liberal na economia e a luta contra a corrupção e os que afirmam ter medo do PT e de Lula. Em resposta à convocatória, muitos usavam branco, para se diferenciar do verde e amarelo bolsonarista e do vermelho do PT. Uma das manifestantes disse ao EL PAÍS que o branco significa “a paz contra os extremos”.

Entre os muitos nomes que pretendem se cacifar como opção para a polarização estão o do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que conseguiu trazer da China as primeiras vacinas ao Brasil, o do ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Henrique Mandetta (Democratas), que assumiu protagonismo durante os primeiros meses de combate à pandemia, e o de Ciro Gomes (PDT), um ex-aliado de Lula, hoje seu rival, que ficou em terceiro nas eleições de 2018. Todos eles discursaram na avenida Paulista neste domingo. Além dos nomes mais óbvios, políticos que têm tentado se destacar também testaram a temperatura da água nos atos. Entre eles o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), que tem 36 anos e acaba de se declarar gay, e falou ao público em Porto Alegre.

Os senadores Simone Tebet (MDB) e Alessandro Vieira (Cidadania), ativos participantes da CPI da Pandemia, também subiram ao palanque. Sempre que mencionavam caminhos para o país nas próximas eleições, Lula e Bolsonaro estavam na mesma frase. Ambos citaram a “terceira via” ao conversarem com o EL PAÍS. Se para Tebet a aposta em um nome além de Bolsonaro e Lula significa “ouvir as ruas”, para Vieira esse seria “o único caminho”, disse.

Mesmo ainda estando longe, uma das principais questões em jogo é em quem votarão os que detestam a dupla Bolsonaro-Lula, que lidera as pesquisas, principalmente se o segundo turno for entre as duas forças.

Lopes, um engenheiro de 58 anos que foi se manifestar na Paulista, gostaria de ver Ciro Gomes na Presidência. Mas, se a disputa final for Bolsonaro x Lula, já sabe o que fará. “Podem dizer o que quiser, mas Lula é um democrata, sempre foi. E Bolsonaro é um protótipo de golpista”.


Robson, operador logístico, e sua esposa Jessica, ambos de 31 anos, gostariam que o candidato fosse o ex-juiz Sergio Moro. “Uma outra via mais à direita que não seja Bolsonaro”, acrescenta ele. Mas a verdade é que, após sua saída do Governo Bolsonaro e ruptura com o bolsonarismo e o escândalo da Vaza Jato, as pesquisas não o colocam como opção viável. Robson perdeu a fé em Bolsonaro “quando rompeu todos os compromissos adquiridos para defender uma política liberal com um Estado mínimo”.


Mais ruídos do que consensos

O ato em São Paulo ocorreu no mesmo lugar onde, na terça-feira, Bolsonaro reuniu e discursou diante de uma multidão pelo Dia da Independência. Os vendedores ambulantes de camisetas adaptaram seu mostruário à manifestação da vez. Negócio é negócio. As mesinhas, que há alguns dias ofereciam camisetas amarelas com a palavra “mito” ao lado do rosto de Bolsonaro, hoje traziam a vestimenta em preto e ao lado do mandatário mostravam o lema “Fora, Bolsonaro”.


Ainda que os atos tenham se tornado palco para a terceira via e, diante disso, as críticas ao ex-presidente fossem politicamente lógicas, o “Fora, Lula” pegou parte dos presentes de surpresa e gerou ruídos até entre inimigos jurados do petista. Ao EL PAÍS, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos principais impulsionadores dos atos deste 12 de setembro, disse que o discurso insistente do ‘Vem Pra Rua’, outro dos grupos organizadores, contra o ex-presidente Lula foi um “erro”, defendendo que as falas do protesto de domingo deveriam ter adotado um foco único: as críticas ao Governo Federal. Para Kataguiri, o foco da nova jornada de protestos era “o diálogo” com as frentes contrárias ao bolsonarismo. Membros do Livres e do Novo também criticaram o que chamaram de “falta de foco”. O vereador Matheus Hector (NOVO-SP) comentou que “não se faz política sem estratégia” quando perguntado sobre o pixuleco ‘Bolsolula’, que virou o rosto dos atos.


ElPaís

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