25 moradores de SP relatam ter caído em golpe de ingresso para Rock in Rio


Nesta sexta-feira (9), um grupo de 25 pessoas que vive na cidade de São Paulo deveria estar a caminho da Cidade do Rock, no Rio de Janeiro, para curtir o segundo fim de semana do Rock in Rio, mas um problema impediu que a viagem acontecesse: todos eles caíram em um golpe que foi supostamente articulado por um amigo que conheciam há quase um ano. Apesar da promessa, não havia ingressos, passagens nem hospedagem.

Elas acusam Douglas Soares, de 30 anos, de ter extorquido mais de R$ 19 mil prometendo pacotes e ingressos para o festival. O g1 tentou localizar Douglas, mas, até a ultima atualização desta reportagem, não teve retorno.

Das 25 vítimas, 9 afirmaram ter registrado um boletim de ocorrência sobre o caso. Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo afirmou que 4 casos estão sendo investigados. 

Como funcionava o esquema

Douglas se aproximava das vítimas em bares, baladas e por aplicativos de relacionamento;

Ele afirmava que trabalhava em uma agência de marketing que prestava serviços para o festival e tinha direito a credenciais para três dias do Rock in Rio;

O suposto golpista cobrava uma taxa que seria para as hospedagens das vítimas;

Douglas se oferecia para comprar as passagens das vítimas de ônibus pelo cartão de crédito dele, e elas repassariam os valores depois;

Douglas nunca enviou nenhum comprovante às vítimas da compra das passagens, da hospedagem nem os ingressos;

Em todos os casos ouvidos pelo g1, ele conhecia as vítimas há quase um ano.

A história viralizou quando uma das vítimas decidiu publicar no Twitter uma thread sobre o golpe. Muitos internautas questionaram por que alguém acreditaria em uma oportunidade de pagar um preço muito abaixo do normal para o festival que já estava com praticamente todos os dias esgotados, e a resposta foi: eles eram próximos de Douglas, que se mostrava confiável.

Vítimas relatam golpe

As vítimas, que não se conheciam antes do golpe, relatam ter pago entre R$ 100 e R$ 1.500. Em todos os casos, Douglas teria se aproximado deles em bares, principalmente no Bar da Beth, no Centro de São Paulo, por amigos em comum ou até mesmo por aplicativo de relacionamento e, após um tempo, passou a oferecer um suposto pacote para o festival com ingressos e hospedagem.

Ele dizia trabalhar em uma agência de marketing chamada Chacur. O suposto golpista afirmava que estava prestando serviços para o festival e, por conta disso, os funcionários tinham direito a uma cota de ingressos disponíveis. O g1 procurou e não localizou nenhuma agência em São Paulo com este nome.

Douglas apresentava para as vítimas um esquema em que elas ganhariam uma espécie de credencial para três dias de festival, do dia 9 ao dia 11, que terá apresentações como Green Day, Avril Lavigne, Coldplay, Megan Thee Stallion e Dua Lipa.

Ele oferecia hospedagens a partir de R$ 100 e também se oferecia para pagar passagens em seu próprio cartão de crédito. Depois, as vítimas repassariam os valores para ele. Douglas nunca enviou nenhum documento que comprovasse que tinha realmente comprado as passagens ou pago as hospedagens.

'Era uma pessoa que fazia parte da minha rotina'

"Conheci ele há mais ou menos um ano, em um bar no Centro de São Paulo. Como eu poderia adivinhar que uma pessoa que fazia parte da minha rotina iria me aplicar um golpe? Ele foi se aproximando, começou a mandar mensagem, convidando para sair e tal, um amigo presente de verdade, que me mandava mensagem todos os dias, perguntava como estavam as coisas. A gente realmente ficou bem próximo, então eu não desconfiava", afirmou a artista e tatuadora Gleyce Hellen Lopes Barbosa, de 30 anos.

Ela conta que ele propôs o negócio do Rock in Rio em julho. "A garantia dele eram ingressos para um fim de semana do festival com desconto porque a agência que ele trabalhava tinha uma parceria e estava levando as pessoas. Só que eu transferi o dinheiro que ele pediu e não tinha nenhum retorno se estava tudo certo e tal. Ele falava que a agência levaria poucas pessoas e, ele mesmo preferia dar prioridade para pessoas pretas, tanto que todas as vítimas são pretas."

Hellen perdeu R$ 164, que segundo o suposto golpista, não eram referentes ao ingresso do festival, mas sim para "garantir que ela entrasse no evento". Ela também apresentou a proposta a uma outra amiga, que transferiu cerca de R$ 700.

"Quando ele me falou dos ingressos, eu perguntei se poderia chamar uma amiga, ele disse que sim. Ela acabou aceitando e gastou mais de R$ 700 nas supostas hospedagens e passagens que ele tinha prometido. Ela tinha até me questionado se ele era de confiança, e eu falei sim. Fui meio intermediária assim, sem saber. Fiquei me sentindo mal e paguei o valor para ela", afirmou.

O ator Basílio Ludovico, de 29 anos, foi apresentado a Hellen pelo suposto golpista em uma festa. Ele e Ódin Ribeiro Costa, de 31 anos, massoterapeuta que se identifica como pessoa não binária, conheceram Douglas em maio, através de um amigo.

"Conheci ele através de meu maride, que conheceu ele pelo Bruno, então, de certa forma, isso gerava confiabilidade. Ele foi se aproximando cada vez mais, ficando presente, toda semana a gente saía. Ele frequentava a nossa casa, então não tinha como desconfiar", afirma Basílio.

Para o ator, Douglas também afirmou que trabalhava em uma empresa de marketing que estava fazendo ações para o evento e, por conta disso, tinha ganhando pulseiras da produção.

"Ele começou a contar que tinha parceria com uma rede de hotel e todos os funcionários da agência tinham direito a três ingressos, um dele e os outros para dois acompanhantes, para três dias de festival. Inicialmente, ele disse que os ingressos eram de graça, mas precisaríamos pagar um valor referente a uma diferença na hospedagem, e as passagens ficariam por nossa conta."

Basílio transferiu R$ 197 que seriam destinados à hospedagem citada por Douglas. Alguns dias depois, o suposto golpista disse ter encontrado promoções de passagem rodoviária para o período em que estariam no Rock in Rio. "Ele apareceu perguntando se a gente toparia fechar essas passagens, mas eu estava sem dinheiro na época e avisei para ele. Nisso, ele se ofereceu para pegar no cartão dele, e a gente poderia ir pagando as parcelas."

A vítima aceitou e, quando recebeu dinheiro, transferiu R$ 400 para Douglas, referentes às passagens.



"A gente começou a estranhar quando demorou para aparecer confirmações das coisas. O QR do ingresso, confirmação da compra da passagem. A gente cobrava as coisas, ele dava umas desculpas, mas passava tanta confiança que íamos acreditando. Ele falava que já tinha sido encaminhada uma lista de pessoas que iriam ao festival pela agência, e que estava só esperando a confirmação do patrocinador", afirmou.

Bruno Nascimento, de 32 anos, foi quem apresentou Douglas a Basílio. Eles se conheceram há quase dois anos também no Bar da Beth. "Ele era o amigo mais próximo que eu tinha na capital, a gente se falava todos os dias, ele estava sempre na minha casa. Nunca tinha desconfiado de nada justamente por isso, eu ainda estou bem mal com a situação, ele conheceu algumas das pessoas que ele deu o golpe a partir de mim", afirmou.

Bruno conta que a proposta envolvendo ingressos do Rock in Rio surgiu em novembro do ano passado e ouviu a mesma história contada para as outras vítimas. Douglas informou que o ingresso era uma cortesia da suposta agência e que passaria as passagens e estadia em um cartão dele mesmo. Depois a vítima poderia ir pagando aos poucos. Bruno transferiu cerca de R$ 400 para Douglas.


Já tinha havido isso de comprar ingressos no show da Ludmilla e não me devolver o dinheiro, mas abstraí, não tinha entendido como um golpe na época", afirmou. Eles tiveram contato pela última vez em 29 de agosto, quando, segundo Bruno, Douglas "mandava áudios chorando e dizendo que ele fez muito mal para muita gente, que ele iria tentar conquistar minha confiança de novo".

Esquema de pirâmide

Após desconfiarem que tinham caído em um golpe, Hellen e Basílio criaram um grupo para se mobilizar e localizar Douglas. Em 27 de agosto, Basílio publicou um vídeo em uma rede social para alertar sobre os golpes envolvendo o Rock in Rio e foi procurado por outras pessoas que contaram ter passado pela mesma situação e também vítimas de Douglas.

Atualmente, cerca de 25 pessoas fazem parte do grupo organizado por Hellen e Basílio. Todos eles relatam a mesma situação: conheciam Douglas há algum tempo, ele era um amigo presente e ofereceu os ingressos para o festival, sempre dando à pessoa a opção de convidar mais um amigo.

"Era sempre assim, ele falava com o amigo mais próximo sobre os ingressos, essa pessoa puxava mais dois amigos, e ia seguindo dessa forma. Quando você tem um amigo, e ele te apresenta alguém que conhece há tempos, existe uma confiança. Emprestávamos dinheiro, confiávamos nas palavras", afirma Basílio.

Willian Carlos, por exemplo, conheceu o suposto golpista numa balada há sete meses e, após isso, apresentou o rapaz para o primo. "Logo passamos a nos encontrar todos os finais de semana praticamente. Depois de um tempo, ele nos ofereceu os ingressos para o Rock in Rio e comentei com meus amigos. E todo mundo fez o Pix para ele. Com o passar dos dias, ele ia adiando cada vez mais de nos passar ingressos, comprovantes, etc. Até que, do nada, ele sumiu de tudo", afirmou.

Aplicativo de relacionamento

Uma vítima, que prefere não ser identificada, conheceu Douglas por um aplicativo de relacionamento no começo deste ano. Em março, ele fez a proposta do Rock in Rio. "Ele ofereceu passagem de ônibus, mais hospedagem e traslado do hotel até o evento por R$ 221, na época eu não desconfiei porque a gente estava se relacionando, então fazia sentido, ainda mais por ele dizer que trabalha em agência."

A vítima afirma que começou a desconfiar porque não chegavam informações sobre o evento e, depois que eles deixaram de se relacionar, cobrou a devolução do dinheiro repassado.

"Eu estava desempregado, então precisava do valor. Fiquei praticamente um mês mandando mensagem, insistindo para ele devolver. Eu falei que ia até a casa dele, aí transferiu o valor de volta."

Ingressos barateados

As vítimas ouvidas pelo g1 relataram que não desconfiaram dos valores cobrados pelos ingressos porque Douglas repassava a proposta como uma espécie de "credencial". Além do fato de que o conheciam "há muito tempo".

"Ele conhecia muita gente e estava sempre inserido em um grupo de pessoas muito influentes e, de fato, já tinha nos levado para alguns eventos. Então eram mais ações que geravam uma confiança. Eu sou ator, de certa forma estou inserido no meio artístico e sei que, de fato, coisas desse tipo acontecem, um acesso Vip, alguém conseguir acesso, então não era algo que fugia da realidade", afirma Basílio.

"A pauta racial também entrou como uma questão para manobrar emocionalmente essas pessoas, a maioria das vítimas são pretas e LGBTQIA+. E, por ele também ser uma pessoa preta, é um lugar muito delicado você acusar alguém do nosso próprio grupo. São questões muito complexas", continua.

Vítimas registraram B.O.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirmou que "um dos casos citados é investigado pelo 34º Distrito Policial da Vila Sônia, na Zona Oeste, que instaurou inquérito policial. As vítimas estão sendo chamadas para prestarem esclarecimentos que possam auxiliar na elucidação dos fatos".

Afirmou também ter ocorrências investigadas pelo 62º Distrito Policial de Ermelino Matarazzo, na Zona Leste, e outros dois casos no 77º Distrito Policial da Santa Cecília, no Centro de São Paulo.





g1




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